Carta póstuma ao amigo que se foi

Hoje sonhei com um amigo que perdi semana passada vitima da violência. Na tentativa de exorcizar essa celeuma dentro de mim escrevi essa carta.


São Paulo 19, de janeiro de 2.011


Amigo,

Fazem apenas alguns dias que você se foi, a culpa veio me visitar. Sonhei com você!
A última vez que nos vimos eu estava com muita pressa, e não falei com você direito. Hoje, acompanho tudo isso com um pesar que me paralisa. Por isso escrevo e me desculpo por não ter me deixado disponível, para essa que seria nossa última conversa.

Sinto não saber o que dizer, sinto muito não poder fazer nada a não ser chorar sua morte.
O que dizer, diante de sua uma mãe que chora de seu pai que pelo semblante parece ter perdido o rumo? Ainda não vi seu irmão, nem sua irmã.

Não é certo os pais enterrarem seus filhos, isso é contrário a ordem natural das coisas. Minhas frases prontas que costumam ser confortadoras nessa hora entraram em xeque. Essa; ouvi quando falávamos sobre você; que por mais paradoxal que pareça em um primeiro instante até me conforta, mas não me cura. “Deus sabe o que faz”.

Pensar que sua morte tem a assinatura de Deus em seu romaneio é revoltante demais pra mim.
Não consigo conceber a idéia de que, porque o soberano tem um plano, permiti que todos os dias crianças, jovens, homens, mulheres e velhos percam suas vidas em várias situações da vida, como em um deslizamento de terra ocasionado por uma forte chuva, ou por uma bala que perdeu seu curso original e atingiu um jovem na saída de uma festa, etc.

Pior que isso só se eu começar a cogitar a hipótese, de estando mais do que uma pessoa em qualquer uma das situações citadas, Deus dar o livramento a um e deixar o outro morrer. Como aconteceu contigo meu amigo.

Deus sabe o que faz, mas com certeza ele não tem nada a ver com isso.

Quando despertei do sonho, estava bem triste. No sonho várias pessoas pediam que eu explicasse o porquê Deus permitiu o acontecido. Levantei, ainda era de madrugada, decidi abrir a bíblia e por acaso abri em Jó bem na parte em que Deus está respondendo acerca das suas dúvidas sobre as contingências da vida.

"Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento? Prepare-se como simples homem; vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá”. (Jó 38:03-04). Eu pude contar do capitulo 38 onde Deus começa seu discurso até o final do capitulo 41 que ele fez 72 perguntas a Jó.

Percebi que a tentativa de explicar sua tragédia me põe em pé de igualdade aos amigos de Jó. Procurava uma resposta lógica ou um culpado para o meu sofrimento, mas a resposta transpôs meu entendimento.

Eu ainda não sei responder a maiorias das perguntas feitas por Deus a Jó, mas meu coração agora está em paz, pois vi que também eu só o conhecia de ouvir falar... agora posso vê-lo.

Jó me ensinou que pior que a tragédia é a tentativa de explicá-la e entende-la. O livro mostrou-me  através das perguntas feitas por Deus a Jó o quão ignorante sou acerca do mundo e suas contingências.

Há tempo sei que ninguém tem a vida blindada por Deus. Nem mesmo aqueles que se intitulam; meninas dos seus olhos! A proteção, o livramento não me servem mais como fundamento para que eu creia em Deus.

Não quero mais tentar entender a tragédia que culminou com sua morte, nem saber o seu por que. Não quero argumentar logicamente o sofrimento de ninguém, nem mesmo o meu. 
Quero só ouvir o lamento dos que sofrem por ti e estar ao lado deles e chorar, ainda que sem dizer uma só palavra.

Aprendi com sua vida a celebrar a espontaneidade, a alegria. Sua morte me mostrou que o maior consolo na hora do sofrimento é a presença, qualquer palavra é menor do que estar. Falar qualquer coisa na hora da dor sem estar não vale muito. 
Obrigado, pelo tempo em que esteve conosco!

Creio que Deus está contigo, como sempre esteve. Até um dia.

Abraços fortes
do Liô.

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