Deus é o Grão de poeira

Não sou estudante de religião em nenhum centro de ensino (infelizmente), por essa razão meu conhecimento sobre coisas voltadas a Deus e religião é muito mais intuitivo que literal.

Dentro deste meu conhecimento limitadíssimo fui desafiado por três amigos de explicar a seguinte dúvida; Se Deus existe porque ninguém nunca o viu? E se não o vemos como nos relacionamos com ele?

Cada um desses amigos tem uma particularidade. Um é católico, outro de família protestante, e o mais novo livre pensador. Procurei em volta algo que pudesse usar como instrumento de reflexão para esta reposta dentro do MEU ENTENDIMENTO.

O local onde estávamos continha apenas uma televisão, um DVD e uma caixa de filmes. Dentro desta caixa tinha um filme de animação infantil que já havia assistido com meu sobrinho. Horton e o mundo dos Quem!

Utilizei-me propositalmente a história do filme como meu instrumento pedagógico.
O filme conta a história de Horton um elefante que por acaso descobre que há vida num grão de poeira, quando essa pequena partícula passa flutuando perto das suas orelhonas aguçadas. 
Horton imediatamente espalha a notícia de que há um mundo microscópico no pequeno grão e para protegê-lo ele o coloca sobre uma flor. Desacreditado por toda a floresta em que vive, o paquiderme coloca-se à disposição dos habitantes do grão os moradores da cidade de Quem-Lândia.

A epígrafe do filme é "mesmo que você não possa ver ou provar algo não significa que não existe"

Terminado o filme o rapaz de família protestante já quis discorrer em matéria teológica o filme (teologizar). Ele disse: “Os moradores de Quem-Lândia somos nós, o grão de poeira onde vivem é a terra, e o elefante que se coloca à disposição dos habitantes do grão é Deus”.
Essa postura também agradou o meu amigo católico, e acredito que a maioria dos cristãos crêem assim.

Quase todo mundo que eu conheço crê que Deus está sentado em um trono em “seu” universo, sustentando tudo. E nós aqui da terra nos relacionamos com ele. 
Assim como o povo de Quem-lândia se relaciona de dentro do grão de poeira com o elefante Horton confiando em sua bondade para que seu mundo fosse salvo.

Em nossa experiência religiosa Deus é tido como um ser que existe fora do mundo ou como o mais importante ser dentro do mundo.

O povo de Quem-Lândia, mas especificamente o prefeito Ned mediador dos diálogos, acreditava que a salvação do seu mundo acorreria através das mãos, ou melhor, da tromba de Horton. Um ser desconhecido e invisível para os Quem.
Horton também não enxergava o povo Quem, devido ao seu tamanho microscópio, só os ouvia. Semelhantemente o povo de Quem-Lândia não enxergava Horton afinal, o que é um elefante para seres que vivem em um mundo do tamanho de um grão de poeira?

Pra mim, usando o filme como ilustração, Deus não é o elefante Horton com quem o povo de Quem-Lândia se comunica. Horton me parece mais com o deus que o homem criou que ouviu por acaso o clamor do povo, mas que não tem nenhuma conexão com seu mundo e na verdade nem os enxerga. E que também estamos pouco interessados em conhecer desde que ele nos salve. A meu ver Deus é o grão de poeira onde habitam os Quem.

Na minha compreensão, Deus está para o ser humano assim como o grão de poeira está para o povo Quem. O povo de Quem-Lândia não se relaciona com o grão eles vivem dentro do grão. O grão de poeira é o ambiente onde eles encontram vida. O ambiente dentro do qual se expressam e que sustentam sua existência.

Acredito que Deus seja o grão por crer que tudo acontece dentro dele. “Nele vivemos nos movemos e existimos “(Atos 17:28).

Deus não é uma coisa que consigo pegar, nem um objeto que possa enxergar. Os Quem não vêem o grão de poeira, na verdade nem sabiam que sua realidade acontecia dentro um grão de poeira. Para ver o grão seria preciso que um cidadão Quem saísse do grão, mas como tal não sobreviveria fora dele.

Nossa existência acontece dentro de Deus. Por essa razão Deus não pode ser categorizado como um objeto ou alguma coisa com a qual nós nos relacionamos em si. Deus é experimentado por nós na maneira como nós nos relacionamos com todas as coisas.

Nós os evangélicos temos muito dos Quem. Nos relacionamos com nosso salvador acreditando que ele não pertença a nossa realidade. Cremos em uma pseudo voz que vem do além e que pertence a um ser que não sabemos como é. E que tem seu dialogo a maioria das vezes mediado por um representante.

Ninguém nunca viu a Deus por que tudo que existe acontece dentro dele, inclusive nós. Ele é o Eu sou. (Êxodo 3). Nele somos, vivemos e existimos.

"Deus não está , no céu ou onde quer que seja, e nós aqui para que fiquemos olhando para ele. O aqui está dentro de Deus e não existe um aqui e um porque o aqui fica dentro do ". (Ed René Kivitz).


Por Leonardo Pessoa

Carta póstuma ao amigo que se foi

Hoje sonhei com um amigo que perdi semana passada vitima da violência. Na tentativa de exorcizar essa celeuma dentro de mim escrevi essa carta.


São Paulo 19, de janeiro de 2.011


Amigo,

Fazem apenas alguns dias que você se foi, a culpa veio me visitar. Sonhei com você!
A última vez que nos vimos eu estava com muita pressa, e não falei com você direito. Hoje, acompanho tudo isso com um pesar que me paralisa. Por isso escrevo e me desculpo por não ter me deixado disponível, para essa que seria nossa última conversa.

Sinto não saber o que dizer, sinto muito não poder fazer nada a não ser chorar sua morte.
O que dizer, diante de sua uma mãe que chora de seu pai que pelo semblante parece ter perdido o rumo? Ainda não vi seu irmão, nem sua irmã.

Não é certo os pais enterrarem seus filhos, isso é contrário a ordem natural das coisas. Minhas frases prontas que costumam ser confortadoras nessa hora entraram em xeque. Essa; ouvi quando falávamos sobre você; que por mais paradoxal que pareça em um primeiro instante até me conforta, mas não me cura. “Deus sabe o que faz”.

Pensar que sua morte tem a assinatura de Deus em seu romaneio é revoltante demais pra mim.
Não consigo conceber a idéia de que, porque o soberano tem um plano, permiti que todos os dias crianças, jovens, homens, mulheres e velhos percam suas vidas em várias situações da vida, como em um deslizamento de terra ocasionado por uma forte chuva, ou por uma bala que perdeu seu curso original e atingiu um jovem na saída de uma festa, etc.

Pior que isso só se eu começar a cogitar a hipótese, de estando mais do que uma pessoa em qualquer uma das situações citadas, Deus dar o livramento a um e deixar o outro morrer. Como aconteceu contigo meu amigo.

Deus sabe o que faz, mas com certeza ele não tem nada a ver com isso.

Quando despertei do sonho, estava bem triste. No sonho várias pessoas pediam que eu explicasse o porquê Deus permitiu o acontecido. Levantei, ainda era de madrugada, decidi abrir a bíblia e por acaso abri em Jó bem na parte em que Deus está respondendo acerca das suas dúvidas sobre as contingências da vida.

"Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento? Prepare-se como simples homem; vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá”. (Jó 38:03-04). Eu pude contar do capitulo 38 onde Deus começa seu discurso até o final do capitulo 41 que ele fez 72 perguntas a Jó.

Percebi que a tentativa de explicar sua tragédia me põe em pé de igualdade aos amigos de Jó. Procurava uma resposta lógica ou um culpado para o meu sofrimento, mas a resposta transpôs meu entendimento.

Eu ainda não sei responder a maiorias das perguntas feitas por Deus a Jó, mas meu coração agora está em paz, pois vi que também eu só o conhecia de ouvir falar... agora posso vê-lo.

Jó me ensinou que pior que a tragédia é a tentativa de explicá-la e entende-la. O livro mostrou-me  através das perguntas feitas por Deus a Jó o quão ignorante sou acerca do mundo e suas contingências.

Há tempo sei que ninguém tem a vida blindada por Deus. Nem mesmo aqueles que se intitulam; meninas dos seus olhos! A proteção, o livramento não me servem mais como fundamento para que eu creia em Deus.

Não quero mais tentar entender a tragédia que culminou com sua morte, nem saber o seu por que. Não quero argumentar logicamente o sofrimento de ninguém, nem mesmo o meu. 
Quero só ouvir o lamento dos que sofrem por ti e estar ao lado deles e chorar, ainda que sem dizer uma só palavra.

Aprendi com sua vida a celebrar a espontaneidade, a alegria. Sua morte me mostrou que o maior consolo na hora do sofrimento é a presença, qualquer palavra é menor do que estar. Falar qualquer coisa na hora da dor sem estar não vale muito. 
Obrigado, pelo tempo em que esteve conosco!

Creio que Deus está contigo, como sempre esteve. Até um dia.

Abraços fortes
do Liô.

28 anos

Mais um ano de vida, se é possível resumir em uma palavra minhas pretensões para hoje a palavra é reinventar. Palavra complicada para uma pessoa tão cheia de vícios e manias prejudiciais difíceis de serem abandonados como eu.

Reinventar-se pra mim é fazer um auto-retrato e depois ter a coragem de dizer: o jeito que estou vivendo não está bom. Não é tornar-me outra pessoa, mas achar outras características dentro de mim.

Quando percebi que minha espiritualidade não conversava com a minha realidade entrei em crise. Daí a dúvida ou me reinvento para sair da crise ou espero que ela passe. Decidi re-significar minha vida, para isso fui obrigado a também re-significar o que aprendi sobre Deus e suas formas de agir.

Os principais temas que precisei re-significar foram esses: Amor, oração, dúvida, fé, maioria, vontade de Deus e salvação.

Amor
Percebo hoje que amor não é resultado de barganha, posso ser eu mesmo sendo amado do jeito que sou. Se necessitar deixar de ser quem sou para ser amado o que recebo não é amor, o que está sendo amado não é o que sou e sim a imagem do que aparento ser. 

Essa consciência eu tenho hoje não só quando recebo, mais também quando ofereço amor.
Reconheço que Deus não exige nada de mim para me amar, e todo aquele que me exige algo como condição de amor não me ama.

Oração
Orar hoje é reconhecer quem Deus é, desejando orientar minha existência sobre os valores deste Deus. No modelo de oração que Jesus usou não existe pedido de coisas para mim e sim de coisas em mim.

Não oro mais para ter, ou conquistar. Oro para ser, ou tornar-me. Não anseio que minhas orações sejam respondidas, agora quero ser resposta a oração das pessoas.

Dúvida
Durante toda minha vida a dúvida foi meu algoz, hoje a chamo de amiga, parceira de fé. Agora sei que a fé nasce das minhas incertezas. Lembro-me ainda das palavras ditas por Papai, personagem que representa Deus no romance A Cabana de Willian P. Young, “Na casa das certezas não há espaço para a fé”.

Em minha comunidade, ainda sem nome, nos reunidos e debatemos graças à dúvida. Onde existe a certeza não há espaço para o amanhã, para uma nova conversa. A dúvida tem sido o elixir da minha fé.


Geralmente é dito que fé é a certeza, já disse o que penso sobre isso no quesito dúvida. É dito também que fé acreditar em Deus, ou acreditar que Deus pode tudo. Adotei a definição do Rob Bell para o que é fé; “... fé é acreditar que Deus acredita em você.”

Quem me ensinou isso foi o apostolo Pedro quando pediu que Jesus o chamasse para andar sobre as águas. E Jesus o chamou, isto é, pronunciou uma palavra de ordem a seu respeito.
Pedro saiu do barco e caminhou sobre as águas. Mas em dado momento prestou atenção no vento, e duvidou. Começou a afundar e clamou por socorro: “Senhor, salva-me!”

Pedro não duvidou de Jesus e nem de seu poder de salvar. Então, duvidou do quê?
Duvidou de si mesmo. Duvidou de que seria capaz de cumprir a palavra de Jesus pronunciada a seu respeito. Creio hoje que fé é acreditar que Deus acredita em mim.

Maioria
Não quero fazer parte da maioria, não por birra, mas porque estou pensando como o escritor Nelson Rodrigues “Toda unanimidade é burra”. Na bíblia percebo vários exemplos disso; a criação do bezerro de ouro, a decisão de não entrar em Canaã, o apedrejamento de Estevão e de Paulo, a decisão de soltar o preso e crucificar o Cristo, todas essas ações nasceram do voto da maioria.

Serei como os irmãos de Beréia; não seguirei cegamente outra consciência que não seja a minha. Não serei mais guiado pela multidão, o fato de um lugar estar cheio não quer dizer que ele é bom.

Vontade de Deus
Andrés Torres Queiruga resumiu “Deus não faz coisa alguma ao nosso lado para nos completar, ou em nosso lugar, suprimindo-nos, mas faz com que nós façamos, pois sustenta nosso ser e agir. A ação parte da criatura, possibilitada pelo Criador. Assim, quanto mais faz Deus, mais fazem as criaturas, quanto mais as criaturas fazem, mais faz Deus. Onde a criatura falha, Deus também falha, porque desde que nos criou decidiu, livremente, nada fazer sem nosso acolhimento e aceitação”.

Deus age de forma pessoal em todas as situações e circunstâncias da vida de todas as pessoas. Mas não é o culpado de tudo o que acontece. Seja esse tudo o bom ou o ruim. Deus ouve nosso clamor e responde nossas súplicas. Mas não é um ventríloquo e não se relaciona conosco como se fossemos fantoches.

Deus se relaciona conosco respeitando nossas histórias e nossas individualidades.

Salvação
Essa foi a mais difícil reforma em mim. Reconhecer que Deus não está interessado em regatar minha alma. Essa dicotomia entre corpo e alma não é bíblica é filosofia grega. Creio que Deus está interessado em mim como um todo e se importa não só com meu estado de espírito mais com o que eu estou fazendo com o meu corpo, como estou me portando nos meus negócios, na sala de aula etc. Ele quer participar da minha vida em plenitude.

Mudei muito de alguns anos pra cá. Se foi para melhor ainda não sei. Sei que perdi muitas ilusões e utopias, não sou mais religioso. Se isso foi bom não sei, sei é que estou mais feliz.
 
Hoje aos 28 anos entendo o porquê as misericórdias do senhor se renovam na minha vida a cada manhã. (Lm 3:22). A misericórdia de Deus se renova a cada manhã para que eu possa me reinventar todos os dias.

Reinventar-se é se dar uma nova oportunidade, e o mais importante, acreditar em você de novo.

Por Leonardo Pessoa